segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Serviço Social no Sistema Prisional Brasileiro

O artigo abaixo refere-se ao exercício profissional do Serviço Social no sistema prisional de Montes Claros. Texto elaborado pela autora Elza de Almeida Pereira.

INTRODUÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Em 1940, o Assistente Social iniciou seu trabalho na área justiça da infância e da juventude no estado de São Paulo, e passou a ocupar espaço de perito da área social, atuando inicialmente como estagiário ou como Membro do Comissariado de Vigilância. (CFESS, 2005, p.18-20). O que faz um perito: O perito enquanto detentor de um saber foi o personagem chamado a dar esse respaldo, ou seja, chamou-se um profissional especialista em determinada área do conhecimento, para o estudo, a investigação o exame ou a vistoria de uma situação processual com o objetivo de oferecer subsídios técnico-científicos que possibilitassem ao magistrado a aplicação da lei com maior segurança, reduzindo-se a possibilidade da prática de erros e injustiças. (CFESS, P.18). Com o agravamento e tentativas de controle das seqüelas da questão social, ampliou a ocupação dos espaços institucionais do Serviço Social, e passou a ter na justiça da infância e juventude espaço privilegiado de ação, o que levou a formalização do seu trabalho no final da década de 40. (CEFESS, p.20). Um dos primeiros espaços de trabalho do Assistente Social foi no judiciário, ou seja, no espaço sócio-jurídico, porém só recentemente as técnicas deste campo passaram a ser conhecidas pelo público, como objeto investigativo. Isso ocorreu devido a ampliação da demanda de atendimento e de profissionais para a área, e depois da promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente, que valorizou os profissionais que lidam com a intervenção direta no judiciário. (CFESS, p.18 a 20).
DIREITOS HUMANOS DOS PRESOS
Os direitos humanos são importantíssimos, pois comportam pressupostos necessários para que todos possam ter uma vida digna. (SANTOS, p.35). As violações dos direitos humanos dos presos que se encontram no sistema de segurança pública é significantemente maior, pois estas instituições não se prestam para cumprimento de pena. Os presos ficam desassistidos em suas necessidades básicas, material, saúde, condições de higiene, educação, trabalho, assistência judiciária, banhos de sol e alimentação adequada. Na maioria das cadeias, homens e mulheres vivem em péssimas condições, sendo expostos a várias doenças, além de estarem submetidos a situações de violência, corrupção e arbitrariedades por parte dos agentes de segurança do estado. (TORRES, p.82). Para Almeida (2004), quanto maior a violência produzida pela criminalidade, maior a legitimidade dada ao estado pela sociedade para produzir uma violência ainda maior, estabelecendo um ciclo de horror e desumanidade que é potencializado a cada dia, mais rigor, menos impunidade; penas mais severas; pena de morte. Este é o permanente clamor da sociedade, esta sentencia a exclusão, o banimento, o holocausto - e o Estado executa. Mingandi APUD Feffermann, afirma que o “crime organizado” não prospera sem a cooperação ou conivência promiscua de representantes do Estado oficial. Segundo Torres, a questão carcerária brasileira e os inúmeros problemas que temos no sistema prisional, vêm sendo discutidos por meio da comunicação, de autoridades e de organizações da sociedade civil. A população em geral questiona um sistema que se mantém em constantes conflitos sob o julgo das violações dos direitos humanos dos presos.
O artigo 5° da Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe que ninguém deve ser submetido à tortura, nem tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante, e o mesmo está no artigo 5° da Constituição Federal. A Declaração de Direitos Humanos explica que o encarceramento é necessário para afastar o criminoso temporariamente do convívio social e impedir que ele cause danos a outras pessoas. O encarceramento deve ser visto como forma de hospitalização, um período durante o qual o individuo deve ser curado dos seus males, para que ele possa posteriormente “receber alta” e sair apto a reintegrar-se na sociedade. Além do mais, espancamentos e torturas não concertam ninguém. De acordo com Fontão, ainda sem qualquer respeito à dignidade do cidadão em confronto com tudo que já se ouviu dizer sobre direitos humanos, constataram-se as atrocidades nas prisões, que ao invés de ressocialização, leva o individuo detido ao aperfeiçoamento do mundo do crime.
De tal forma que negada a ele a possibilidade de ressocialização, assim acaba cometendo nova infração, gerando a reincidência tão comum nos estabelecimentos carcerários. Falando em atrocidades, lembra Foucault na obra Vigiar e Punir (1987, p.63). É preciso que a justiça criminal puna em vez de se vingar. No pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua “humanidade”.
Estar destacado na LEP – Lei de Execuções Penais, no. 7.210, de 11-7-1984 que no seu artigo 3°; ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Se não houver, durante o cumprimento da pena, nenhum respeito à integridade física e moral do recluso, que foi subjugado, submetido a degradante condição de vida, em ambiente inseguro, fétido, com pouca ou nenhuma assistência que lhe puder fazer vislumbrar nova perspectiva de vida, ele acaba cumprindo a pena como vítima, e o futuro que o aguarda é a reincidência, na maioria das vezes como única opção de sobrevivência. (OTTOBONI, 2001.p.45). Sendo o serviço social uma profissão que intervém no conjunto das relações sociais e nas expressões da questão social, esse enfrenta hoje, no campo do sistema penitenciário, determinações tradicionais as suas atribuições que não consideram os avanços da profissão no Brasil e o compromisso ético e político dos profissionais frente à população e às violações dos direitos humanos que são cometidos. Conforme a LEP, no seu primeiro artigo, o seu principal objetivo é de “efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para harmônica integração social do condenado e do internado”, resultando de um direito voltado à execução das penas e medidas de segurança privativas de liberdade, como também as medidas assistenciais, curativas e de reabilitação dos condenados.
Nos artigos 22 e 23, da LEP, está exposto que a Assistência Social tem a responsabilidade de amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à sociedade, ou seja, reintegração. E as funções do serviço de Assistência Social na prisão são:
I- Conhecer os resultados, diagnósticos e exames;
II- Relatar por escrito, ao diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido;
III- Acompanhar o resultado das permissões de saídas temporárias;
IV- Promover no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação;
V- Promover a obtenção do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade;
VI- Providenciar a obtenção e documentos, dos benefícios da previdência social e do seguro por acidente no trabalho;
VII- Orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vitima. Siqueira lembra que, para efetivar os artigos, parágrafos e incisos citados acima, é necessário que os profissionais de Serviço Social tenham uma visão crítica desses instrumentos. Ela se faz necessária, uma vez que a prisão existe para desempenhar uma função de controle social na órbita repressiva, em que o preso também está inserido, até porque a questão da reintegração do preso não será alcançada com um amontoado de leis, pois elas não serão capazes de vencer os preconceitos disseminados na opinião pública.
Para Zaluar (2000, p.53), o sucesso ou um fracasso de um sistema de idéias em se transformar em práticas sociais depende do jogo de forças reais que se trava no campo político, ela é luta e negociação, e o seu resultado não é previamente conhecido; a ideologia está e se efetiva na política. Sobre o seu trabalho com presos Ottoboni relata que a lição mais importante que aprenderão com os presos, depois de 12 anos de trabalho e estudo, foi exatamente esta: de presos nós não entendíamos nada. Quem não passou pela experiência de viver atrás das grades ou se esquivou da humildade de aprender com os presos ficará sempre na condição de teórico, estará sempre distante da realidade. (OTTOBOBONI, 2001, p.27). A ideologia dominante além de invadir todos os espaços da vida social, torna os dominados meros suportes ou fantoches dela, incapazes, portanto, de julgar a partir de suas próprias experiências. (ZALUAR, p.3).
Para Miotto, o Serviço Social é como uma arte e constitui como resultado a solução dos problemas humanos que acarretam a infelicidade e assim obtendo o bem estar.
SERVIÇO SOCIAL COMO “CONTROLE SOCIAL”?
Para Alves, (2005, p.11) o controle externo situa o homem em seu grupo, podendo internalizar comportamentos e influenciar o individuo. E quando essas influências formativas não alcançam seus objetivos é que a ação dos mecanismos de controle social é ativada. E constituir sistemas aponta-se a família, os amigos, instituições presentes na vida privada, que se caracterizam como laços sociais mais importantes das nossas vidas, assim como costumes, as tradições e convenções da sociedade.
Alves vem ressaltar que quando um individua comete um crime, algum dos sistemas citados acima falha, ou todos falham ao mesmo tempo Seria, portanto, necessário compreender o contexto individual em que o ato e o criminoso estão inseridos, tentando entender os sistemas de controle social pelas quais a experiências individual tanto quanto a social estão estabelecidas. Um dos conceitos de controle social é a idéia de controle do estado sobre a sociedade, a favor dos interesses da classe dominante, por meio de políticas sociais para amenizar os conflitos da sociedade. E existe a concepção que entende controle social como controle da sociedade sobre as ações do estado. (CORREIA, p.122). Outra determinação para controle social refere-se a vários meios usados pela sociedade para regular qualquer tipo de desvio. Como os grupos são diversos, os mecanismos que os regulam também variam de acordo com a finalidade e o grupo em questão. Funciona assim, “eliminam-se os indivíduos” indesejável e estimulam-se aqueles que se adaptam ou se conformam com as regras sociais, majoritárias. (ALVES, 2005, p.11). Questionam-se as dificuldades, e os compromissos éticos e políticos dos profissionais do Serviço Social diante da realidade das violações de direitos humanos de milhares de pessoas, e em especial dos que estão encarcerados. A defesa dos direitos humanos no campo profissional remete a questão da ética, pois esta é integrante do sujeito social, sendo componente da atividade do profissional. Sobre a reflexão da ética sobre os valores e princípios e que devem aderir em suas ações. Porém, não se deve tratar da ética profissional, apenas em relação a um código de ética, e também as necessidades e exigências da profissão, de acordo a realidade. (TORRES, p.89).
Santos deixa claro em um artigo da revista Sociologia, “Afinal o que são Direitos Humanos?”, na pagina 41, que os direitos no Brasil sempre foram pensados como concessões paternalistas ofertadas pelos grupos dominantes ao restante da população. Então o profissional de Serviço Social, tem como objetivo controlar os rumos das políticas de assistência social e não os sujeitos que esta destina. E nesse contexto trabalhar com os presos e com todos excluídos da sociedade tratando-os como sujeitos de direito e não com favoritismo. No artigo 2004 da Constituição Federal 1988, deixa claro que as ações da assistência social foram asseguradas com uma política administrativa descentralizada. A partir de então a assistência social adquiriu concepção de direito, e não de assistencialismo.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para realização de toda a pesquisa sob o tema ora apresentado, far-se-á um levantamento bibliográfico, buscando obras atuais que abranjam o assunto de forma genérica, como também obras específicas que o relatam com profundidade. De acordo com Duarte e Furtado, a pesquisa bibliográfica “é um estudo sistematizado desenvolvido a partir de material já elaborado, principalmente livros e artigos científicos (...)” (DUARTE, FURTADO, 2000). Essa pesquisa teve início no primeiro semestre de 2008, e por meio deste, possibilita análises e reflexões acerca do papel do serviço social nas instituições CERESP (Centro de Remanejamento de Segurança Prisional) e Presídio de Montes Claros. A análise e interpretação dos dados recorreram-se a sociologia compreensiva e a hermenêutica dialética, que dão ênfase aos significados atribuídos pelos sujeitos sociais às experiências vivenciados, além de considerar o conhecimento como processo em constante mudança e transformação. No campo de métodos e técnicas utilizou-se pesquisa de campo, a qual compreende os momentos de observação, relato das impressões, realização de entrevistas, bem como estudo do histórico das instituições. O fio condutor da pesquisa foi as condições de trabalho dos assistentes sociais e demais profissionais. O campo empírico para a realização da pesquisa foi nas unidades prisionais de Montes Claros. Essa foi realizada com os profissionais de Serviço Social das instituições e tendo sido acompanhada pelo diretor geral da instituição.
A pesquisa foi conduzida pelo Observatório Social: Cidadania e Direitos Humanos, dentro do projeto Laboratório de Tecnologias Sociais e Metodologias de Redes, financiado pela FAPEMIG (Edital 16/07) e apoiado com recursos materiais e duas bolsas de iniciação científica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse trabalho, o objetivo é descrever resultados de pesquisas e instigar análises e problematizações que venham tornar público algumas dificuldades sugeridas a partir de depoimentos de representantes e de profissionais do Serviço Social das instituições. O Presídio de Montes Claros e o Centro de Remanejamento de Segurança Prisional (Ceresp), conhecida como antiga cadeia pública, são instituições penais centradas na privação da liberdade dos sujeitos aprisionados da cidade. Essas instituições são atravessadas por questões sociais carentes de equacionamento público, que resultem em maior investimento nas políticas de valorização da vida e da solidariedade.
O Ceresp, construída em 1986, por sua vez, atualmente é porta de entrada e saída do sistema penitenciário em Montes Claros. Recebe os sujeitos detidos na cidade, e/ou encaminhados para cumprimento de pena, vindos de outras regiões do Estado. É local da triagem inicial do preso, e de cumprimento de pena de mulheres e dos presos já em regimes de progressão continuada de pena. O Ceresp recebe presos de Montes Claros e do interior de Minas Gerais. . A inserção do profissional de Serviço Social no Ceresp e no Presídio de Montes Claros se deu em janeiro do ano de 2008, atuando com equipe interdisciplinar na área da saúde, e como instrumental utiliza o PGPS, (Prontuário Geral Padronizado de Saúde), advindo da SEDS, (Secretaria Estadual Defesa Social). Lembrando que todos profissionais do Ceresp são cedidos pelo Presídio de Montes Claros. E a assistente social dessa instituição trabalha dois dias por semana. Compete ao serviço social nas instituições organizarem as visitas intimas e sociais dos detentos. Dentre as atividades realizadas pelo Serviço Social nas instituições no primeiro semestre de 2008, foi promovido através de parcerias com empresas, médicos, enfermeiros, dentistas, cabeleireiros e outros profissionais, um dia de ação voluntária para as presas do Ceresp. E como atividade laborativa essas fazem aula de pintura.
Em Montes Claros, a ressocialização dos presos é feita com o apoio da comunidade, e também com preparação profissional e projetos de ensino básico, fundamental e qualificado dentro das unidades prisionais. Contudo, os projetos esbarram em falta de investimentos, espaços e estrutura física. De acordo com o diretor administrativo do sistema penitenciário em Montes Claros, há, para o Presídio, projetos de ensino fundamental e médio, e há, no Ceresp, um núcleo de prevenção criminal, que trabalha em parceria com o Senai para a realização de cursos profissionalizantes. Em todos os casos são realizados contatos com a sociedade civil, em busca de parcerias que possam levar a integração social dos egressos.
Nas unidades prisionais montesclarense não existe atividade remunerada para reclusos, más existe 6 presos que trabalham nos serviços gerais das instituições, sendo três no Ceresp e 3 no Presídio, a cada três dias trabalhado desconta-se um dia de pena.Assim recebem a progressão de pena. No Ceresp, o trabalho do Serviço Social é focalizado para as presas por cumprirem em maioria regime fechado. Já os reclusos só possuem regimes de albergue e semi-abertos que funcionam na unidade. Lembrando que a cidade de Montes Claros não possui albergue e nem penitenciária feminina. Em 2003 devido à superlotação do atual Ceresp, o juiz da vara da execução penal de Montes Claros solicitou a construção de um presídio.
Essa unidade é masculina, possui pavilhões que divididos de acordo com os regimes, esse possui sete pavilhões. Esta instituição, possui 3 Assistentes Sociais, 5 Advogados, 1 Enfermeiro, 2 Psicólogos, 1 Dentista, e também possui atendimento médico. O presídio montesclarense possui uma estrutura física recente, pois começou a funcionar no mês de janeiro de 2008 atualmente se encontra em boas condições, porém relata o diretor do presídio que em alguns meses seguintes do ano de 2008, o estabelecimento carcerário estará superlotado, por motivo do crescente índice de criminalidade na cidade de Montes Claros.
Assim tendo maior número de entrada de sujeitos no presídio do que saída. Contudo o Serviço Social nas instituições prisionais de Montes Claros ainda é recente, assim não abrangendo alguns aspectos da profissão. E um ponto importante a ser observado relaciona-se às condições de trabalho dos profissionais: esbarram na falta de estrutura física e falta de investimentos e políticas de integração social. Ou seja, recursos financeiros escassos limitam as ações dos profissionais, comprometendo o bem-estar e a cidadania dos que atendem.
Diante de tal contexto, qualquer luta por direitos humanos parece reduzida e insuficiente, mas abrir mãos dos mesmos implica no abandono de qualquer pretensão à construção de uma sociedade mais igualitária e democrática, sendo um permanente desafio para reflexão sociológica. Portanto os direitos humanos constituem uma referência fundamental para analise e ação. (SANTOS, p.41). Há um apelo, portanto, nessa pesquisa, para que a sociedade de Montes Claros se envolva nas questões de justiça e bem estar coletivo.
Então o Observatório Social conduz a proposta de fortalecer redes solidárias entre a sociedade, a sociedade civil, as Universidades públicas e privadas, as empresas e, nesse caso, as instituições prisionais através dos profissionais com objetivo de organizar pequenas cooperativas populares, voltadas para Economia Popular Solidária. Com efeito, a autogestão social vem sendo a alternativa encontrada pela comunidade para enfrentar os desafios trazidos pelo cotidiano dos profissionais que lidam com a questão da violência. A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP-Unimontes) e o CEAAC (Centro de Apoio e Atendimento à Comunidade) são parceiras desse projeto e, como extensão universitária, têm muito a contribuir para que as comunidades vejam-se potencializadas para se defenderem contra a insensibilidade sistêmica.

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