II SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS,
IDENTIDADES E RELAÇÕES INTERÉTNICAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
GT 6 – Mediações
Culturais, Identidades e Relações de Poder
TAXISTA: PROFISSÃO MASCULINA?
A VISÃO DE MULHERES TAXISTAS NA CIDADE DE ARACAJU
Elisangela Moura Santos
Serviço Social/UNIT
elis_ms@hotmail.com
1.
INTRODUÇÃO
O mundo do trabalho é
permeado pelas contradições existentes dentro das relações sociais que criam
espaços de poder para uma parcela de sujeitos submetendo os demais a condição
de subalternos. A existência deste último é necessária para a reprodução do
capital em que há a intensificação e precarização do trabalho, formação de
cadastro de reserva e desemprego de uma enorme parcela da população. Dentro
dessa lógica, essa camada da sociedade não pode ser extinta. (ANTUNES, 2010)
Para Marson
(1995/1996), as imagens dos trabalhos masculinos e femininos começaram a mudar
no Brasil no final do século XIX a partir do processo de modernização e
industrialização do país ao adentrar no capitalismo mundial e instituir o
trabalho assalariado. Segundo a autora, antes da revolução sexual, seria
impensável ver mulheres com cabelos curtos, trabalhando e vivendo em espaço
público como se fossem homens, bem como o contrário, era inimaginável ver
homens com cabelos longos, usando brincos, cuidando de crianças ou até mesmo
cozinhando. Essas mudanças são resultados das transformações vivenciadas pela
sociedade que afetam o âmbito familiar como também o laborativo.
Na seara trabalhista um
dos aspectos visualizados é o crescimento do número de mulheres trabalhadoras.
Esse aumento é justificado pelas metamorfoses assumidas pelo trabalho dentro
dessa nova forma de acumulação capitalista flexível, conforme apresenta Antunes
(2010, p. 197 e 198):
[...]
Vivencia-se um aumento significativo do trabalho feminino, que atinge mais de
40% da força de trabalho nos países avançados, e que tem sido preferencialmente
absorvido pelo capital no universo do trabalho precarizado e desregulamentado.
[...] Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador ”polivalente e multifuncional” da era
informacional, capaz de operar com máquinas com controle numérico e de, por
vezes, exercitar com mais intensidade sua dimensão mais intelectual. E, de
outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que
hoje está presenciando as formas de part-time,
emprego temporário, parcial, ou então vivenciando o desemprego estrutural.
Essas mutações criaram, portanto, uma classe trabalhadora mais heterogênea,
mais fragmentada e mais complexificada [...]
Nesse contexto, ainda
se verifica a segregação dos ambientes laborativos pelo sexo. Essa concepção
faz parte da discussão sobre a elaboração do conceito de gênero e os
significados imbricados em sua construção sociohistórica. Segundo Kaeber
(1995), o gênero refere-se ao processo de constituir categoriais sociais de
homem e mulher baseando-se nos aspectos biológicos de macho e fêmea, sendo
estas moldadas com atributos de masculinidade e feminilidade criados a partir
do grupo em que se inserem.
Diante desse
entendimento, este artigo tem como objetivo precípuo discutir a divisão sexual
do trabalho e gênero na construção das relações de poder em atividades tidas
como “trabalho de homem” e “trabalho de mulher”. Essa situação foi analisada a
partir de uma pesquisa realizada com mulheres taxistas na cidade de Aracaju que
revelou ser este um espaço não mais essencialmente masculino.
2.
DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E AS QUESTÕES DE GÊNERO: ONDE AS MULHERES SE ENCONTRAM
DENTRO DESTE PROCESSO?
Historicamente, o
comportamento de homens e mulheres foi (e ainda é!) oriundo de uma construção
social, em que a sociedade determina padrões a serem seguidos. Segundo Lane
(2002), tal influência ocorrerá mesmo ainda no período gestacional, observando-se
como essa fase é concebida. Posterior a essa etapa, é o momento em que ao
nascer, necessitamos de outras pessoas para a nossa sobrevivência. Assim, somos
inseridos em grupos e num determinado contexto sociohistórico onde seremos condicionados
a desenvolver práticas consideradas corretas.
São
práticas consideradas essenciais, e, portanto, valorizadas; se não forem
seguidas dão direito aos “outros” de intervirem direta ou indiretamente. E,
quando se fala em “dar o direito”, significa que a sociedade tem normas e/ou
leis que institucionalizam aqueles comportamentos que historicamente vêm
garantindo a manutenção desse grupo social. (LANE, 2002, p.13)
Lane (2002) salienta que esse processo de nos
tornarmos pessoas sociáveis ocorre através das relações que criamos que
influencia na construção da nossa identidade social, esta que nos caracteriza
como pessoa. Nesse espaço de
relacionamento se destaca a linguagem, a qual é produzida socialmente,
“exercendo mediação entre nós e o mundo, na medida em que ela permite a
elaboração de representações sociais”. (LANE, 2002, p.32). Corroborando com o pensamento de Lane, Saffioti (1978) afirma ainda
que essa construção de identidade social impõe a mulher uma condição de
inferioridade, atribuindo-lhe a responsabilidade por atividades de pouca
valorização social.
A construção
da identidade possibilita o questionamento do conceito de gênero na medida em
que este era fundamentado por meio de uma perspectiva conservadora apoiado no
determinismo biológico que justificava a ação dos seres humanos baseando-se nas
diferenças biológicas. Isto é, a diferença entre os sexos era vista como
“justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão
social do trabalho”. (BOURDIEU, 2002, p. 18)
Contrapondo-se a essa
visão de gênero, Dias (2003) ressalta a necessidade de entendê-lo como uma
construção teórica da diferença entre os sexos, sendo necessária a elaboração
de estudos e análises para desnaturalizar as relações humanas.
Diante desse contexto,
a questão de gênero adentra no espaço da divisão sexual do trabalho, sendo este
definido como:
[...] a
forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os
sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação
social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como
características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das
mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens
das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares
etc.). (HIRATA & KERGOAT, 2007, p. 599).
Segundo Hirata &
Kergoat (2007, p. 599), é preciso que a definição de divisão sexual do trabalho
seja entendida de maneira ampliada, permitindo sua distinção através dos seus
princípios e suas modalidades. As autoras apresentam o princípio de separação que se refere à existência de trabalhos a
serem realizados por homens e trabalhos de mulheres; assim como o princípio hierárquico que institui a
valorização do trabalho realizado por um homem como possuidor de maior
reconhecimento do que um trabalho feito por uma mulher, isto é, ‘um trabalho de
homem “vale” mais que um trabalho de mulher’.
Essa afirmação é
ratificada por Yannoulas (2002, p. 16), no dossiê de políticas públicas e
relações de gênero no mercado de trabalho, ao afirmar que na sociedade
capitalista moderna:
[...] o
trabalho feminino remunerado situou-se numa divisão sexual vertical do trabalho, segundo a qual as mulheres
como grupo estão em desvantagem em relação aos homens, em termos de salários,
ascensão funcional (cargos) e condições de trabalho (em função de ser o homem,
o responsável pelo sustento familiar). Diversas pesquisas mostraram que as
mulheres devem apresentar um requisito a mais que seus colegas homens, para ocupar
o mesmo posto de trabalho. Quer dizer, quando um candidato e uma candidata a
ingressar ou ascender numa empresa têm igualdade de condições, a preferência é
para o homem.
Aliada a essa
categoria, há ainda a divisão sexual
horizontal do mercado de trabalho que se refere à posição ocupada por
mulheres dentro de uma organização, desempenhando funções instituídas
culturalmente como femininas ou que exijam características “femininas”, tais
como a docilidade, a paciência e a delicadeza. Essas qualidades são fundamentais
para aquelas que trabalham em linhas de montagem, por exemplo.
Essa diferença no modo
de inserção de homens e mulheres no mercado de trabalho é denominada por
Yannoulas (2002, p. 15) como segmentação
ou segregação dos mercados de trabalho baseada em gênero. “Assim, a
segmentação reporta-se à concentração de oportunidades de trabalho para as
mulheres em setores de atividade específicos e num número reduzido de ocupações
dentro da estrutura produtiva”. Destarte, os efeitos dessa combinação da
divisão vertical e horizontal do trabalho são perversos, sendo vistos em
setores onde o número de mulheres é maior como mão-de-obra, em contrapartida,
os cargos mais altos de hierarquia têm sidos ocupados preferencialmente pelos
homens.
Yannoulas (2002)
salienta ainda que a presença de mulheres no mercado de trabalho enfrenta
variadas formas de discriminação sejam elas direta, indireta ou
autodiscriminatória. A discriminação
direta ou manifesta se caracteriza através da criação de códigos e normas
que contribuam para a manutenção de um grupo excluindo explicitamente outras
pessoas de fazerem parte destes espaços de poder. Já a discriminação indireta ou encoberta refere-se às ideias e práticas
aceitas de maneira informal que impõe veladamente padrões de comportamentos a
serem seguidos dentro de um grupo. Por último, a autodiscriminação que se caracteriza como:
[...]
uma espécie de vigilância internalizada que assegura o comportamento de acordo
com os parâmetros delimitados pela manifestação encoberta ou indireta. Constitui-se
de mecanismos internos de repressão que modelam nossos desejos, expectativas,
anseios e motivações, de forma que algumas opções educacionais ou profissionais
tornam-se impensáveis e outras fortemente orientadas ou condicionadas. Por
exemplo: foi difícil para as primeiras juízas de futebol e para as primeiras
motoristas de ônibus ou de táxi imaginarem-se exercendo estas profissões. [...]
Os mecanismos de repressão internos que derivam da autodiscriminação tornam-se
tão naturais que, muitas vezes, são interpretados como autodeterminação e não
como escolhas pautadas sutilmente pelas normas sociais. (YANNOULAS, 2002, p.
18)
A situação das mulheres
no mercado de trabalho pode ser verificada por diferentes aspectos, tais como:
o crescimento do número de mulheres trabalhadoras no País foi considerado um
dos mais altos da América Latina, segundo a pesquisa feita por FLASCO/INSTITUTO
DA MULHER em 1993; o trabalho assalariado feminino alcançou o percentual de um
pouco mais de 41% da População Economicamente Ativa (PEA) entre os anos de 1970
e 1990, de acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE/PNAD – 1999);
os índices de desemprego entre as mulheres aumentaram tendencialmente a partir
de 1995; assim como se destacam a ocupação informal e o subemprego como as
atividades mais recorrentes entre as mulheres (YANNOULAS, 2002).
DADOS
DO ESTADO DE SERGIPE
|
HOMENS
|
MULHERES
|
TOTAL
|
População em Idade
Ativa (2009)
|
813
|
885
|
1.698
|
População
Economicamente Ativa (2009)
|
579
|
461
|
1.040
|
Estimativa de
ocupados (2009)
|
529
|
392
|
921
|
Taxa de desocupação
(2009)
|
8,6
|
15
|
11,4
|
Distribuição de
empregos formais (2010)
|
58,8
|
41,2
|
100
|
FONTE: Dados do Anuário do
Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda: Mercado de Trabalho 2010-2011,
disponível em:
F/mercado.pdf> Acesso em:
Outubro/2011.
Conforme os dados acima
do Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, resultante de
pesquisa organizada pelo DIEESE e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),
novos dados reafirmam a realidade dos trabalhadores. Contudo, esse crescimento
não reflete na diminuição das desigualdades de rendimentos e tratamento, o que
ocorre é um movimento inverso em que os direitos sociais e de trabalhos se
materializa de maneira desigual entre homens e mulheres. (ANTUNES, 2004)
3.
AS RELAÇÕES DE PODER E GÊNERO SEGUNDO MULHERES TAXISTAS DA CIDADE DE ARACAJU
A fim de refletir sobre
a questão de gênero nas relações de trabalho foram entrevistadas duas taxistas
atuantes na profissão a 8 e 13 anos, respectivamente. As mesmas foram
selecionadas mediante contatos com as empresas de táxi da cidade de Aracaju,
sendo selecionadas a partir da disponibilidade para participar da pesquisa.
Visando discutir a
temática proposta, foram questionadas: A quanto tempo trabalha como taxista?
Por que você escolheu ser taxista? Como sua família reagiu com sua decisão? Já
sofreu algum tipo de discriminação por ser mulher? Como foi o comportamento dos
seus colegas taxistas ao começar a fazer parte do grupo? Existe contato com
outras taxistas? Se sim, como é o relacionamento entre vocês?
De acordo com as falas
das entrevistadas, a escolha pela profissão apresentou motivações
diferenciadas.
“Dificuldade em conseguir outro emprego
e necessidade financeira me fizeram ir em buscar de uma atividade que me desse
retorno rápido. O táxi se apresentou como essa oportunidade. (Entrevistada 01)
“Eu era cabeleireira e estava
insatisfeita com minha profissão. Depois que o meu marido adoeceu e não tinha
como trabalhar, passei a dirigir o táxi dele. Depois daí, larguei a vida de
cabeleireira e fui ser taxista”. (Entrevistada 02)
A afirmação da primeira
entrevistada retrata aspectos abordados por Antunes (2010) ao tratar das
metamorfoses no mundo do trabalho citando a
classe que vive do trabalho, isto é, as mudanças ocorridas na sociedade têm
afetado a classe trabalhadora com o surgimento de diferentes formas de emprego
e subemprego, bem como a existência do desemprego estrutural que afeta homens e
mulheres de maneira diferenciada.
A segunda entrevistada
ao mencionar sua antiga e nova atividade profissional nos remete a fala de Yannoulas
(2002) ao tratar dessas escolhas que fazem parte de um processo educativo
baseado na concepção de gênero. Por isso, até que ponto pode-se dizer que a
vontade de exercer determinada profissão é fruto de um desejo pessoal? Não será
ela um condicionamento da sociedade para que se cumpra os padrões estabelecidos
utilizando-se de mecanismos para fazer o ser humano acreditar que é uma escolha
própria?
Essa influência e as
concepções do que cabe a homens e mulheres exercerem enquanto profissionais são
descritas pelas taxistas através da reação da família:
“No início, minha mãe apoiou por ser
temporário, mas quando se tornou fixo, ela ficou preocupada”. (Entrevistada 01)
“Meu marido ficou preocupado por causa
da violência no trânsito e pelo desrespeito de outros homens quando veem que é
uma mulher ao volante. Já a minha família não aceita até hoje que eu seja
taxista, porque pra eles isso é trabalho de homem e não de mulher!”
(Entrevistada 02)
A família é o primeiro
grupo em que o indivíduo encontra-se inserido e nela se expressam fortemente os
valores adquiridos socialmente. Lane (2002) legitima as falas das entrevistadas
quando menciona a formação da identidade social que é composta a partir dos
grupos com os quais vivemos. A reação dos familiares é um reflexo do pensamento
da sociedade que, mesmo após muitas lutas por garantias de direitos de
igualdade entre cidadãos, ainda predomina a ideia da segregação entre homens e
mulheres, cabendo-lhes trabalhos diferenciados quanto à sua capacidade
biológica e culturalmente construída sobre os espaços de cada um dentro das
camadas sociais.
Adentrar no ramo da
frota de táxi significa lidar com o
preconceito e discriminação por parte de colegas de profissão e de passageiros.
Os
depoimentos das taxistas são uma demonstração da realidade dos conceitos
abordados por Norbert Elias e John L.
Scotson (2000) quando se remetem a discriminação e ao
preconceito de um grupo superior (chamado de estabelecidos) sobre o
outro inferior (denominado de outsiders – aqueles que estão foram
do grupo que detém o poder local).
Para esses autores, estas
ideias são repassadas por meio da fofoca elogiosa ou depreciativa. A fofoca elogiosa é utilizada pelo grupo
estabelecido para apoiar e elogiar as pessoas pertencentes ao grupo. Já as depreciativas também eram utilizadas
pelos estabelecidos, mas como instrumento de desprezo que afetava a identidade
coletiva dos outsiders. Essa é uma prática vista em todas as sociedades, em que
grupos estigmatizam outros grupos como possuidor de menos valor.
“Superioridade social e
moral, autopercepção e reconhecimento, pertencimento e exclusão são elementos
dessa dimensão da vida social que o par estabelecidos-outsiders ilumina
exemplarmente: as relações de poder”. (ELIAS & SCOTSON, 2000, p. 7-8)
Relações essas presentes no cotidiano dessas profissionais que sofrem com a
discriminação por ocupar espaços de dominação masculina, esta que, segundo
Bourdieu (2002), não precisa de argumentos para ser legitimada por causa de sua
construção social e cultural. Em contrapartida, para que aconteça o contrário é
preciso lidar com mitos e preconceitos estabelecidos sobre as mulheres.
Abaixo, algumas falas que
confirmam tal formulação:
“Já sofri discriminação de clientes homens,
principalmente de mulheres. Houve uma vez que cheguei a expulsar um rapaz do
meu carro por me faltar com respeito. E mulheres que me questionavam por estar
dirigindo um táxi, dizendo que eu deveria buscar uma profissão que fosse a
melhor pra mim. Qual é o problema de eu ser taxista? Por parte dos meus colegas
até hoje não sofri nada. Acho que eles não falaram nada por causa desse meu
jeito ‘meio machão’. Também não tenho muito contato com as outras taxistas, nos
vemos mais nas reuniões.” (Entrevistada 01)
“Sim. Já fui vítima de discriminação tantos
pelos clientes como de colegas mais velhos na profissão e pelas próprias
companheiras de trabalho. Os homens são mais solidários, tenho um bom
relacionamento com eles. Mas com as mulheres é complicado: umas não querem se
aproximar, outras são companheiras. Infelizmente, não há união entre as
mulheres”. (Entrevistada 02)
Diante das respostas
apresentadas podem ser observados aspectos como: a relação profissional-cliente
e entre homens taxistas e mulheres taxistas, assim como mulheres taxistas com
suas colegas de trabalho. Percebe-se que estes se relacionam por meio da
construção de imagens ou atributos específicos que constituem essas relações. Vejamos,
a entrevistada 01 ao dizer que seu jeito “meio machão” pode ter contribuído
para não sofrer nenhum tipo de discriminação pelos taxistas nos remete ao que
Bourdieu (2002) chama de a construção social dos corpos. Ou seja, por meio de
uma educação elementar são impostas formas de manter a postura, como ocupar espaços
e adotar comportamentos convenientes ao local em que se insere.
A segunda entrevistada ao
citar a falta de união entre as mulheres demonstra a fragmentação dos outsiders
abordada por Elias e Scotson (2000) que inviabiliza o fortalecimento dessa classe.
Como desenvolver o sentimento de pertencimento a um grupo, se o mesmo não cria
formas de estreitar laços a fim de enfrentar situações advindas de uma relação
de poder? Em consonância com esses autores, se verifica que maiores conquistas
não são alcançadas pela falta de integração entre aqueles que são excluídos.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das questões
apresentadas nesse estudo se observa que a presença das mulheres no mundo do
trabalho se deve a um processo composto por aspectos econômicos, políticos,
sociais e culturais que, através de muitas lutas, possibilitou e ainda
possibilita a inserção feminina nestes espaços, especialmente em atividades
ocupadas preferencialmente por homens.
Apesar das conquistas
alcançadas pelas mulheres na sociedade contemporânea, em que o ser humano é
denominado como “sujeito de direitos”, ainda se verifica a discriminação de
gênero permeada pelos estereótipos materializados em tratamentos distintos.
Assim, mesmo diante das transformações ocorridas, “algumas práticas continuam
impregnadas de construções naturalizadas e cristalizadas, como a atribuição do
papel de provedor ao homem e de cuidadora à mulher”. (BATISTA et all, 2010, p.
29)
Com a realização da
pesquisa ficou evidente o crescimento do número de mulheres na frota de táxi na
cidade de Aracaju, entretanto, assim como os demais espaços em que os homens
prevalecem em números, se faz necessário que esse grupo se reconheça como tal e
em seu cotidiano adote medidas e/ou comportamentos que desmistifique a
supremacia de um grupo sobre outro levando em consideração fatores biológicos.
Assim, com esse estudo espera-se que a discussão sobre as relações de poder e
gênero presentes no ambiente de trabalho se amplie de forma que possa construir
novos saberes sobre a temática.
REFERÊNCIAS
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Silvia Cristina. Dossiê: Políticas
Públicas e Relações de Gênero no Mercado de Trabalho. Brasília: CFEMEA;
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Acesso em: Outubro/2011.
Esse trabalho foi resultado de uma pesquisa realizada com mulheres taxistas na cidade de Aracaju que revelou ser este um espaço não mais essencialmente masculino. Todavia, adentrar nesse ramo significa lidar com o preconceito e discriminação por parte de colegas de profissão e de passageiros. Segundo Norbert Elias e John L. Scotson (2000), no livro Os Estabelecidos e os Outsiders, essa situação se justifica pela aparente homogeneidade dentro de um grupo, mas que oculta uma rivalidade baseada numa relação de poder sobre o espaço constituído. As taxistas revelam que, no início da profissão, os colegas de trabalho não aceitavam a presença delas porque se percebiam como um grupo fechado, com características e regras próprias. Essa situação de preconceito se verificação também por parte dos usuários dos seus serviços. Os passageiros tendem a demonstrar surpresa ao adentrar no veículo e encontrar uma mulher dirigindo e não um homem. Alguns deles demonstram uma atitude discriminatória, a exemplo de uma criança ao avistar ser uma mulher dirigindo começou a chorar dizendo que não entraria no carro, a mãe justificou a atitude do filho dizendo que o menino havia aprendido com o pai. Todavia, casos como esse têm mudado. Outros clientes se admiram ao ver que é uma mulher e não um homem que dirige, havendo momentos em que ocorre a preferência por elas ao invés dos homens integrantes da frota de táxi. Os depoimentos das taxistas são uma demonstração da realidade dos conceitos abordados por Norbert Elias e John L. Scotson quando se remetem a discriminação e ao preconceito de um grupo superior sobre o outro intitulado inferior. Para Elias e Scotson (2000), estas ideias são repassadas por meio da fofoca elogiosa ou depreciativa. A fofoca elogiosa é utilizada pelo grupo estabelecido para apoiar e elogiar as pessoas pertencentes ao grupo. Já as depreciativas também eram utilizadas pelos estabelecidos, mas como instrumento de desprezo que afetava a identidade coletiva dos outsiders. Essa é uma prática vista em todas as sociedades, em que grupos estigmatizam outros grupos como possuidor de menos valor.
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