sábado, 10 de dezembro de 2011

Taxista: profissão masculina?


II SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES E RELAÇÕES INTERÉTNICAS


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

GT 6 – Mediações Culturais, Identidades e Relações de Poder



TAXISTA: PROFISSÃO MASCULINA?
A VISÃO DE MULHERES TAXISTAS NA CIDADE DE ARACAJU


Elisangela Moura Santos
Serviço Social/UNIT
elis_ms@hotmail.com


1. INTRODUÇÃO


O mundo do trabalho é permeado pelas contradições existentes dentro das relações sociais que criam espaços de poder para uma parcela de sujeitos submetendo os demais a condição de subalternos. A existência deste último é necessária para a reprodução do capital em que há a intensificação e precarização do trabalho, formação de cadastro de reserva e desemprego de uma enorme parcela da população. Dentro dessa lógica, essa camada da sociedade não pode ser extinta. (ANTUNES, 2010)

Para Marson (1995/1996), as imagens dos trabalhos masculinos e femininos começaram a mudar no Brasil no final do século XIX a partir do processo de modernização e industrialização do país ao adentrar no capitalismo mundial e instituir o trabalho assalariado. Segundo a autora, antes da revolução sexual, seria impensável ver mulheres com cabelos curtos, trabalhando e vivendo em espaço público como se fossem homens, bem como o contrário, era inimaginável ver homens com cabelos longos, usando brincos, cuidando de crianças ou até mesmo cozinhando. Essas mudanças são resultados das transformações vivenciadas pela sociedade que afetam o âmbito familiar como também o laborativo.

Na seara trabalhista um dos aspectos visualizados é o crescimento do número de mulheres trabalhadoras. Esse aumento é justificado pelas metamorfoses assumidas pelo trabalho dentro dessa nova forma de acumulação capitalista flexível, conforme apresenta Antunes (2010, p. 197 e 198):

[...] Vivencia-se um aumento significativo do trabalho feminino, que atinge mais de 40% da força de trabalho nos países avançados, e que tem sido preferencialmente absorvido pelo capital no universo do trabalho precarizado e desregulamentado. [...] Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador ”polivalente e multifuncional” da era informacional, capaz de operar com máquinas com controle numérico e de, por vezes, exercitar com mais intensidade sua dimensão mais intelectual. E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, ou então vivenciando o desemprego estrutural. Essas mutações criaram, portanto, uma classe trabalhadora mais heterogênea, mais fragmentada e mais complexificada [...]

Nesse contexto, ainda se verifica a segregação dos ambientes laborativos pelo sexo. Essa concepção faz parte da discussão sobre a elaboração do conceito de gênero e os significados imbricados em sua construção sociohistórica. Segundo Kaeber (1995), o gênero refere-se ao processo de constituir categoriais sociais de homem e mulher baseando-se nos aspectos biológicos de macho e fêmea, sendo estas moldadas com atributos de masculinidade e feminilidade criados a partir do grupo em que se inserem.

Diante desse entendimento, este artigo tem como objetivo precípuo discutir a divisão sexual do trabalho e gênero na construção das relações de poder em atividades tidas como “trabalho de homem” e “trabalho de mulher”. Essa situação foi analisada a partir de uma pesquisa realizada com mulheres taxistas na cidade de Aracaju que revelou ser este um espaço não mais essencialmente masculino.


2. DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E AS QUESTÕES DE GÊNERO: ONDE AS MULHERES SE ENCONTRAM DENTRO DESTE PROCESSO?


Historicamente, o comportamento de homens e mulheres foi (e ainda é!) oriundo de uma construção social, em que a sociedade determina padrões a serem seguidos. Segundo Lane (2002), tal influência ocorrerá mesmo ainda no período gestacional, observando-se como essa fase é concebida. Posterior a essa etapa, é o momento em que ao nascer, necessitamos de outras pessoas para a nossa sobrevivência. Assim, somos inseridos em grupos e num determinado contexto sociohistórico onde seremos condicionados a desenvolver práticas consideradas corretas.

São práticas consideradas essenciais, e, portanto, valorizadas; se não forem seguidas dão direito aos “outros” de intervirem direta ou indiretamente. E, quando se fala em “dar o direito”, significa que a sociedade tem normas e/ou leis que institucionalizam aqueles comportamentos que historicamente vêm garantindo a manutenção desse grupo social. (LANE, 2002, p.13)

Lane (2002) salienta que esse processo de nos tornarmos pessoas sociáveis ocorre através das relações que criamos que influencia na construção da nossa identidade social, esta que nos caracteriza como pessoa. Nesse espaço de relacionamento se destaca a linguagem, a qual é produzida socialmente, “exercendo mediação entre nós e o mundo, na medida em que ela permite a elaboração de representações sociais”. (LANE, 2002, p.32). Corroborando com o pensamento de Lane, Saffioti (1978) afirma ainda que essa construção de identidade social impõe a mulher uma condição de inferioridade, atribuindo-lhe a responsabilidade por atividades de pouca valorização social. 

A construção da identidade possibilita o questionamento do conceito de gênero na medida em que este era fundamentado por meio de uma perspectiva conservadora apoiado no determinismo biológico que justificava a ação dos seres humanos baseando-se nas diferenças biológicas. Isto é, a diferença entre os sexos era vista como “justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho”. (BOURDIEU, 2002, p. 18)

Contrapondo-se a essa visão de gênero, Dias (2003) ressalta a necessidade de entendê-lo como uma construção teórica da diferença entre os sexos, sendo necessária a elaboração de estudos e análises para desnaturalizar as relações humanas.

Diante desse contexto, a questão de gênero adentra no espaço da divisão sexual do trabalho, sendo este definido como:

[...] a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.). (HIRATA & KERGOAT, 2007, p. 599).

Segundo Hirata & Kergoat (2007, p. 599), é preciso que a definição de divisão sexual do trabalho seja entendida de maneira ampliada, permitindo sua distinção através dos seus princípios e suas modalidades. As autoras apresentam o princípio de separação que se refere à existência de trabalhos a serem realizados por homens e trabalhos de mulheres; assim como o princípio hierárquico que institui a valorização do trabalho realizado por um homem como possuidor de maior reconhecimento do que um trabalho feito por uma mulher, isto é, ‘um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher’.

Essa afirmação é ratificada por Yannoulas (2002, p. 16), no dossiê de políticas públicas e relações de gênero no mercado de trabalho, ao afirmar que na sociedade capitalista moderna:

[...] o trabalho feminino remunerado situou-se numa divisão sexual vertical do trabalho, segundo a qual as mulheres como grupo estão em desvantagem em relação aos homens, em termos de salários, ascensão funcional (cargos) e condições de trabalho (em função de ser o homem, o responsável pelo sustento familiar). Diversas pesquisas mostraram que as mulheres devem apresentar um requisito a mais que seus colegas homens, para ocupar o mesmo posto de trabalho. Quer dizer, quando um candidato e uma candidata a ingressar ou ascender numa empresa têm igualdade de condições, a preferência é para o homem.

Aliada a essa categoria, há ainda a divisão sexual horizontal do mercado de trabalho que se refere à posição ocupada por mulheres dentro de uma organização, desempenhando funções instituídas culturalmente como femininas ou que exijam características “femininas”, tais como a docilidade, a paciência e a delicadeza. Essas qualidades são fundamentais para aquelas que trabalham em linhas de montagem, por exemplo.
Essa diferença no modo de inserção de homens e mulheres no mercado de trabalho é denominada por Yannoulas (2002, p. 15) como segmentação ou segregação dos mercados de trabalho baseada em gênero. “Assim, a segmentação reporta-se à concentração de oportunidades de trabalho para as mulheres em setores de atividade específicos e num número reduzido de ocupações dentro da estrutura produtiva”. Destarte, os efeitos dessa combinação da divisão vertical e horizontal do trabalho são perversos, sendo vistos em setores onde o número de mulheres é maior como mão-de-obra, em contrapartida, os cargos mais altos de hierarquia têm sidos ocupados preferencialmente pelos homens.

Yannoulas (2002) salienta ainda que a presença de mulheres no mercado de trabalho enfrenta variadas formas de discriminação sejam elas direta, indireta ou autodiscriminatória. A discriminação direta ou manifesta se caracteriza através da criação de códigos e normas que contribuam para a manutenção de um grupo excluindo explicitamente outras pessoas de fazerem parte destes espaços de poder. Já a discriminação indireta ou encoberta refere-se às ideias e práticas aceitas de maneira informal que impõe veladamente padrões de comportamentos a serem seguidos dentro de um grupo. Por último, a autodiscriminação que se caracteriza como:

[...] uma espécie de vigilância internalizada que assegura o comportamento de acordo com os parâmetros delimitados pela manifestação encoberta ou indireta. Constitui-se de mecanismos internos de repressão que modelam nossos desejos, expectativas, anseios e motivações, de forma que algumas opções educacionais ou profissionais tornam-se impensáveis e outras fortemente orientadas ou condicionadas. Por exemplo: foi difícil para as primeiras juízas de futebol e para as primeiras motoristas de ônibus ou de táxi imaginarem-se exercendo estas profissões. [...] Os mecanismos de repressão internos que derivam da autodiscriminação tornam-se tão naturais que, muitas vezes, são interpretados como autodeterminação e não como escolhas pautadas sutilmente pelas normas sociais. (YANNOULAS, 2002, p. 18)

A situação das mulheres no mercado de trabalho pode ser verificada por diferentes aspectos, tais como: o crescimento do número de mulheres trabalhadoras no País foi considerado um dos mais altos da América Latina, segundo a pesquisa feita por FLASCO/INSTITUTO DA MULHER em 1993; o trabalho assalariado feminino alcançou o percentual de um pouco mais de 41% da População Economicamente Ativa (PEA) entre os anos de 1970 e 1990, de acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE/PNAD – 1999); os índices de desemprego entre as mulheres aumentaram tendencialmente a partir de 1995; assim como se destacam a ocupação informal e o subemprego como as atividades mais recorrentes entre as mulheres (YANNOULAS, 2002).


DADOS DO ESTADO DE SERGIPE
HOMENS
MULHERES
TOTAL
População em Idade Ativa (2009)
813
885
1.698
População Economicamente Ativa (2009)
579
461
1.040
Estimativa de ocupados (2009)
529
392
921
Taxa de desocupação (2009)
8,6
15
11,4
Distribuição de empregos formais (2010)
58,8
41,2
100

FONTE: Dados do Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda: Mercado de Trabalho 2010-2011, disponível em:
F/mercado.pdf> Acesso em: Outubro/2011.


Conforme os dados acima do Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, resultante de pesquisa organizada pelo DIEESE e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), novos dados reafirmam a realidade dos trabalhadores. Contudo, esse crescimento não reflete na diminuição das desigualdades de rendimentos e tratamento, o que ocorre é um movimento inverso em que os direitos sociais e de trabalhos se materializa de maneira desigual entre homens e mulheres. (ANTUNES, 2004)



3. AS RELAÇÕES DE PODER E GÊNERO SEGUNDO MULHERES TAXISTAS DA CIDADE DE ARACAJU


A fim de refletir sobre a questão de gênero nas relações de trabalho foram entrevistadas duas taxistas atuantes na profissão a 8 e 13 anos, respectivamente. As mesmas foram selecionadas mediante contatos com as empresas de táxi da cidade de Aracaju, sendo selecionadas a partir da disponibilidade para participar da pesquisa.

Visando discutir a temática proposta, foram questionadas: A quanto tempo trabalha como taxista? Por que você escolheu ser taxista? Como sua família reagiu com sua decisão? Já sofreu algum tipo de discriminação por ser mulher? Como foi o comportamento dos seus colegas taxistas ao começar a fazer parte do grupo? Existe contato com outras taxistas? Se sim, como é o relacionamento entre vocês?

De acordo com as falas das entrevistadas, a escolha pela profissão apresentou motivações diferenciadas.

“Dificuldade em conseguir outro emprego e necessidade financeira me fizeram ir em buscar de uma atividade que me desse retorno rápido. O táxi se apresentou como essa oportunidade. (Entrevistada 01)

“Eu era cabeleireira e estava insatisfeita com minha profissão. Depois que o meu marido adoeceu e não tinha como trabalhar, passei a dirigir o táxi dele. Depois daí, larguei a vida de cabeleireira e fui ser taxista”. (Entrevistada 02)

A afirmação da primeira entrevistada retrata aspectos abordados por Antunes (2010) ao tratar das metamorfoses no mundo do trabalho citando a classe que vive do trabalho, isto é, as mudanças ocorridas na sociedade têm afetado a classe trabalhadora com o surgimento de diferentes formas de emprego e subemprego, bem como a existência do desemprego estrutural que afeta homens e mulheres de maneira diferenciada.

A segunda entrevistada ao mencionar sua antiga e nova atividade profissional nos remete a fala de Yannoulas (2002) ao tratar dessas escolhas que fazem parte de um processo educativo baseado na concepção de gênero. Por isso, até que ponto pode-se dizer que a vontade de exercer determinada profissão é fruto de um desejo pessoal? Não será ela um condicionamento da sociedade para que se cumpra os padrões estabelecidos utilizando-se de mecanismos para fazer o ser humano acreditar que é uma escolha própria?

Essa influência e as concepções do que cabe a homens e mulheres exercerem enquanto profissionais são descritas pelas taxistas através da reação da família:

“No início, minha mãe apoiou por ser temporário, mas quando se tornou fixo, ela ficou preocupada”. (Entrevistada 01)

“Meu marido ficou preocupado por causa da violência no trânsito e pelo desrespeito de outros homens quando veem que é uma mulher ao volante. Já a minha família não aceita até hoje que eu seja taxista, porque pra eles isso é trabalho de homem e não de mulher!” (Entrevistada 02)

A família é o primeiro grupo em que o indivíduo encontra-se inserido e nela se expressam fortemente os valores adquiridos socialmente. Lane (2002) legitima as falas das entrevistadas quando menciona a formação da identidade social que é composta a partir dos grupos com os quais vivemos. A reação dos familiares é um reflexo do pensamento da sociedade que, mesmo após muitas lutas por garantias de direitos de igualdade entre cidadãos, ainda predomina a ideia da segregação entre homens e mulheres, cabendo-lhes trabalhos diferenciados quanto à sua capacidade biológica e culturalmente construída sobre os espaços de cada um dentro das camadas sociais.

Adentrar no ramo da frota de táxi significa lidar com o preconceito e discriminação por parte de colegas de profissão e de passageiros. Os depoimentos das taxistas são uma demonstração da realidade dos conceitos abordados por Norbert Elias e John L. Scotson (2000) quando se remetem a discriminação e ao preconceito de um grupo superior (chamado de estabelecidos) sobre o outro inferior (denominado de outsiders – aqueles que estão foram do grupo que detém o poder local).

Para esses autores, estas ideias são repassadas por meio da fofoca elogiosa ou depreciativa. A fofoca elogiosa é utilizada pelo grupo estabelecido para apoiar e elogiar as pessoas pertencentes ao grupo. Já as depreciativas também eram utilizadas pelos estabelecidos, mas como instrumento de desprezo que afetava a identidade coletiva dos outsiders. Essa é uma prática vista em todas as sociedades, em que grupos estigmatizam outros grupos como possuidor de menos valor.

“Superioridade social e moral, autopercepção e reconhecimento, pertencimento e exclusão são elementos dessa dimensão da vida social que o par estabelecidos-outsiders ilumina exemplarmente: as relações de poder”. (ELIAS & SCOTSON, 2000, p. 7-8) Relações essas presentes no cotidiano dessas profissionais que sofrem com a discriminação por ocupar espaços de dominação masculina, esta que, segundo Bourdieu (2002), não precisa de argumentos para ser legitimada por causa de sua construção social e cultural. Em contrapartida, para que aconteça o contrário é preciso lidar com mitos e preconceitos estabelecidos sobre as mulheres.

Abaixo, algumas falas que confirmam tal formulação:

“Já sofri discriminação de clientes homens, principalmente de mulheres. Houve uma vez que cheguei a expulsar um rapaz do meu carro por me faltar com respeito. E mulheres que me questionavam por estar dirigindo um táxi, dizendo que eu deveria buscar uma profissão que fosse a melhor pra mim. Qual é o problema de eu ser taxista? Por parte dos meus colegas até hoje não sofri nada. Acho que eles não falaram nada por causa desse meu jeito ‘meio machão’. Também não tenho muito contato com as outras taxistas, nos vemos mais nas reuniões.” (Entrevistada 01)

“Sim. Já fui vítima de discriminação tantos pelos clientes como de colegas mais velhos na profissão e pelas próprias companheiras de trabalho. Os homens são mais solidários, tenho um bom relacionamento com eles. Mas com as mulheres é complicado: umas não querem se aproximar, outras são companheiras. Infelizmente, não há união entre as mulheres”. (Entrevistada 02)

Diante das respostas apresentadas podem ser observados aspectos como: a relação profissional-cliente e entre homens taxistas e mulheres taxistas, assim como mulheres taxistas com suas colegas de trabalho. Percebe-se que estes se relacionam por meio da construção de imagens ou atributos específicos que constituem essas relações. Vejamos, a entrevistada 01 ao dizer que seu jeito “meio machão” pode ter contribuído para não sofrer nenhum tipo de discriminação pelos taxistas nos remete ao que Bourdieu (2002) chama de a construção social dos corpos. Ou seja, por meio de uma educação elementar são impostas formas de manter a postura, como ocupar espaços e adotar comportamentos convenientes ao local em que se insere.

A segunda entrevistada ao citar a falta de união entre as mulheres demonstra a fragmentação dos outsiders abordada por Elias e Scotson (2000) que inviabiliza o fortalecimento dessa classe. Como desenvolver o sentimento de pertencimento a um grupo, se o mesmo não cria formas de estreitar laços a fim de enfrentar situações advindas de uma relação de poder? Em consonância com esses autores, se verifica que maiores conquistas não são alcançadas pela falta de integração entre aqueles que são excluídos.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Diante das questões apresentadas nesse estudo se observa que a presença das mulheres no mundo do trabalho se deve a um processo composto por aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais que, através de muitas lutas, possibilitou e ainda possibilita a inserção feminina nestes espaços, especialmente em atividades ocupadas preferencialmente por homens.

Apesar das conquistas alcançadas pelas mulheres na sociedade contemporânea, em que o ser humano é denominado como “sujeito de direitos”, ainda se verifica a discriminação de gênero permeada pelos estereótipos materializados em tratamentos distintos. Assim, mesmo diante das transformações ocorridas, “algumas práticas continuam impregnadas de construções naturalizadas e cristalizadas, como a atribuição do papel de provedor ao homem e de cuidadora à mulher”. (BATISTA et all, 2010, p. 29)

Com a realização da pesquisa ficou evidente o crescimento do número de mulheres na frota de táxi na cidade de Aracaju, entretanto, assim como os demais espaços em que os homens prevalecem em números, se faz necessário que esse grupo se reconheça como tal e em seu cotidiano adote medidas e/ou comportamentos que desmistifique a supremacia de um grupo sobre outro levando em consideração fatores biológicos. Assim, com esse estudo espera-se que a discussão sobre as relações de poder e gênero presentes no ambiente de trabalho se amplie de forma que possa construir novos saberes sobre a temática.


REFERÊNCIAS


ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do trabalho. 14 ed. São Paulo: Cortez, 2010.


ANTUNES, Ricardo & ALVES, Giovanni. As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. In: Revista Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335-351, maio/ago. 2004. Disponível em: Acesso em: Outubro/2011.


BATISTA, Roberta Rangel et all. A questão de gênero nas relações de trabalho. In: Episteme – Revista Científica da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, vol. 01, nº 01, p. 28-33, 2010. Disponível em: Acesso em: Outubro/2011.


BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.


BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Anuário do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda: Mercado de Trabalho 2010/2011. 3. Ed. São Paulo: DIEESE, 2011. Disponível em:
F013341780DBB382F/mercado.pdf> Acesso em: Outubro/2011.


DIAS, Rosália Correia. Por uma compreensão do conceito de gênero. In: Ensaios sobre identidade e gênero. Salvador: Helvécia, 2003. p.15-32.

ELIAS, Norbert & SCOTSON, John. L. Os Estabelecidos e Os Outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, 224p.


HIRATA, Helena & KERGOAT, Daniele.  Novas configurações da divisão sexual do trabalho. In: Cadernos de Pesquisa, v. 37, nº 132, p. 595-609, set./dez. 2007. Disponível em: Acesso em: Outubro/2011.


KAEBER, Narla. Publicação do Conselho dos Direitos da Mulher do Distrito Federal: GDF, 1995. In: Conceitos de gênero no planejamento do desenvolvimento. Instituto Internacional de Pesquisas e Capacitação das Nações Unidas para Promoção da Mulher – INSTRAN – ONU.


LANE, Silvia T. Maurer. O Que é Psicologia Social? 22. ed. São Paulo: Brasiliense, 2002. In: Coleção dos Primeiros Passos.


MARSON, Melina Izar. Da Feminista “macha” aos Homens Sensíveis: o Feminismo no Brasil e as (dês)construções das identidades sociais. In: Cadernos AEL, n. 3/4, 1995/1996. Disponível em: < http://www.ifch.unicamp.br/ael/website-ael_publicacoes/cad-3/Artigo-3-p69.pdf> Acesso em: Outubro/2011.


SAFFIOTI, 1978. SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovan. Emprego doméstico e capitalismo. Petropólis: Vozes, 1978. P.43-96.


YANNOULAS, Silvia Cristina. Dossiê: Políticas Públicas e Relações de Gênero no Mercado de Trabalho. Brasília: CFEMEA; FIG/CIDA, 2002. Disponível em: Acesso em: Outubro/2011.

Um comentário:

  1. Esse trabalho foi resultado de uma pesquisa realizada com mulheres taxistas na cidade de Aracaju que revelou ser este um espaço não mais essencialmente masculino. Todavia, adentrar nesse ramo significa lidar com o preconceito e discriminação por parte de colegas de profissão e de passageiros. Segundo Norbert Elias e John L. Scotson (2000), no livro Os Estabelecidos e os Outsiders, essa situação se justifica pela aparente homogeneidade dentro de um grupo, mas que oculta uma rivalidade baseada numa relação de poder sobre o espaço constituído. As taxistas revelam que, no início da profissão, os colegas de trabalho não aceitavam a presença delas porque se percebiam como um grupo fechado, com características e regras próprias. Essa situação de preconceito se verificação também por parte dos usuários dos seus serviços. Os passageiros tendem a demonstrar surpresa ao adentrar no veículo e encontrar uma mulher dirigindo e não um homem. Alguns deles demonstram uma atitude discriminatória, a exemplo de uma criança ao avistar ser uma mulher dirigindo começou a chorar dizendo que não entraria no carro, a mãe justificou a atitude do filho dizendo que o menino havia aprendido com o pai. Todavia, casos como esse têm mudado. Outros clientes se admiram ao ver que é uma mulher e não um homem que dirige, havendo momentos em que ocorre a preferência por elas ao invés dos homens integrantes da frota de táxi. Os depoimentos das taxistas são uma demonstração da realidade dos conceitos abordados por Norbert Elias e John L. Scotson quando se remetem a discriminação e ao preconceito de um grupo superior sobre o outro intitulado inferior. Para Elias e Scotson (2000), estas ideias são repassadas por meio da fofoca elogiosa ou depreciativa. A fofoca elogiosa é utilizada pelo grupo estabelecido para apoiar e elogiar as pessoas pertencentes ao grupo. Já as depreciativas também eram utilizadas pelos estabelecidos, mas como instrumento de desprezo que afetava a identidade coletiva dos outsiders. Essa é uma prática vista em todas as sociedades, em que grupos estigmatizam outros grupos como possuidor de menos valor.

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